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sábado, 23 de fevereiro de 2013

Pelo bem da Igreja


Coluna semanal do Pr. Samuel Câmara no Jornal “O Liberal”, jornal de maior circulação no Estado do Pará.
A renúncia do papa Bento XVI pegou o mundo de surpresa, causou espanto e muitas indagações. O motivo que ele alegou para renunciar ao pontificado, deixando vazio o trono de Pedro, foi que já não tinha mais forças, aos 85 anos de vida, para levar adiante o governo da Igreja. Na verdade, se forças lhe faltaram, é porque a tarefa era árdua, o fardo era pesado, os desafios eram imensamente desgastantes, mesmo para um papa.
“É preciso refletir sobre como a face da Igreja é por vezes deturpada por golpes contra a sua unidade e divisões do corpo eclesiástico. É preciso superar individualismos e rivalidades. O verdadeiro discípulo não serve a si próprio ou ao público, mas ao seu Senhor” – disse Bento XVI, na presença de cardeais surpresos e fiéis que, logo após, o aplaudiram com entusiasmo.
Em suma, esse era o modo próprio de o Papa permitir um sopro de vida a uma instituição milenar que tem sofrido nas últimas décadas pela ação de padres pedófilos, escândalos financeiros, vazamento de documentos sigilosos e recorrentes choques de egos. O papa acrescentou: “Mesmo em nossos dias, muitos estão prontos a rasgar as vestes diante de escândalos e injustiças – mas poucos parecem disponíveis a agir em seu próprio coração, em sua própria consciência e em suas próprias intenções”. A mensagem estava dada: a renovação de que a igreja precisa deve acontecer primeiramente no coração de seus líderes. E o próprio papa deu o exemplo de desprendimento pessoal e compromisso com a história.
Não posso deixar de admirar o gesto desprendido do senhor Joseph Ratzinger, o papa, principalmente porque sua renúncia visava ao bem da Igreja. Essa foi a maneira que encontrou para transformar seus anseios e amarguras pessoais em instrumento a serviço do catolicismo, expondo as feridas abertas da Igreja para, desse modo, encaminhar sua cura e buscar a sua purificação. Isso mostra o coração de um grande líder, que não olha somente para o imediatismo de seu mandato, mas para o benefício das gerações futuras.
Eu agradeço a Deus por ter presenciado um gesto de desprendimento semelhante, de um líder de uma Igreja que deixou o seu mandato pastoral, livre e espontaneamente, para abrir espaço a um pastor mais novo que viria a dar continuidade à pujante história de uma instituição, na época, quase centenária. Refiro ao pastor Firmino Gouveia, que entendera ter chegado ao fim o seu ministério pastoral na Assembleia de Deus em Belém e buscou preparar caminho para seu substituto. Eu recebi de Deus a graça de substituí-lo e posso julgar tanto a grandeza do seu gesto como os resultados de seu desprendimento. Tudo o que ele fez foi pelo bem da Igreja.
Mas também conheço outro gesto, que não poderia de modo algum ser elogiado, de outro líder assembleiano, cuja renúncia foi um mero oportunismo político, para se dar bem numa eleição da qual estava estatutariamente impedido. Trata-se da primeira e única renúncia de um presidente da CGADB – Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, para candidatar-se novamente. A carta de renúncia do então presidente, o pastor José Wellington Bezerra da Costa, datada de 14 de outubro de 1989, foi publicado no Mensageiro da Paz.
O livro História da Convenção Geral das Assembleias de Deus no Brasil, assim registra o fato: “Por motivo de saúde e contando com a possibilidade de se candidatar à presidência da Convenção Geral em 1990, o pastor José Wellington renunciou à presidência meses antes do conclave”. Nem este livro da história oficial da CGADB disfarça a verdadeira razão do artifício da renúncia.
Pela primeira vez na história da CGADB, um presidente renunciou ao cargo numa manobra para burlar a proibição es¬tatutária que vetava a reeleição. Três meses depois, ele próprio estava concorrendo à reeleição. Essa foi a única vez em que a CGADB foi submetida ao constran¬gimento de ter três presidentes durante o mesmo mandato.
Daí ficou fácil ferir a história, reformar o estatuto e ficar no poder até hoje, e agora, tentando se reeleger pela 11ª vez.
Após isto, nunca mais se ouviu falar de enfermidade ou renúncia. O que vale notar é que a CGADB já poderia ter sido abençoada com doze presidentes diferentes, pelo menos dois de cada região do Brasil, e isso certamente faria um bem enorme à Assembleia de Deus.
É preciso abrir espaços para novos líderes, deixando que os ventos de reforma e renovação soprem livremente. É preciso pensar no bem de todos, não no continuísmo de um líder, quem quer que seja, pelo simples exercício do desejo de comandar.
É preciso dar livre curso à história, corrigindo rumos, renovando propósitos e criando oportunidades para que surjam novas lideranças. Os mandatos não podem ser longevamente desnecessários, para que não se transformem em gerontocracias ultrapassadas e dissonantes. Pelo bem da Igreja.
Postado Por Pr. Alair Alcântara
Liberdade

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